quarta-feira, 26 de maio de 2021

E Tudo Era Possível

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E Tudo Era Possível

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo
in Homem de Palavra(s)

terça-feira, 25 de maio de 2021

Tempo de aventura

 



TEMPO DE AVENTURA Tanta paz pra te manter Contida e bem afinada Tanta voz por te conhecer.  Pó de arroz pra te manter Na vida bem engomada  E ainda que não digas nada O teu rosto há-de dizer Que é fácil adormecer  Entre o que é o futuro a dar  E o que ao sabor do vento a tempo  não chegará Quem te vai devolver o teu tempo de aventura? Vais-te convencendo que nunca passará. Tanto faz ou tem de ser Dizes tu bem ensinada  E ainda que estejas calada No teu rosto há-de se ver Que é fácil adormecer  Entre o que é o futuro a dar  E o que ao sabor do vento a tempo  não chegará Quem te vai devolver o teu tempo de aventura? Vais-te convencendo que nunca passará. Tanta paz pra te manter Querida a quem te quer nada Tanta voz por te acontecer  

domingo, 23 de maio de 2021

Quando vier a Primavera


 Alberto Caeiro

Quando vier a Primavera,

Quando vier a Primavera,

Se eu já estiver morto,

As flores florirão da mesma maneira

E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.

A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme

Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria

E a Primavera era depois de amanhã,

Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.

Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;

E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.

Por isso, se morrer agora, morro contente,

Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.

Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

O que for, quando for, é que será o que é.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

O menino de sua mãe







No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
             De balas trespassado-
             Duas, de lado a lado-,
            Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
             De braços estendidos,
             Alvo, louro, exangue,
             Fita com olhar langue
            E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
             (agora que idade tem?)
             Filho único, a mãe lhe dera
             Um nome e o mantivera:
            «O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
            A cigarreira breve.
            Dera-lhe a mãe. Está inteira
            E boa a cigarreira.
           Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
            Ponta a roçar o solo,
           A brancura embainhada
          De um lenço… deu-lho a criada
         Velha que o trouxe ao colo.


Lá longe, em casa, há a prece:
          “ Que volte cedo, e bem!”
           (Malhas que o Império tece!)
           Jaz morto e apodrece
           O menino da sua mãe


segunda-feira, 10 de maio de 2021

domingo, 9 de maio de 2021

sábado, 8 de maio de 2021

Carta


 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

terça-feira, 4 de maio de 2021

Ou isto ou aquilo




Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é o melhor: se é isto ou aquilo.


Lena d'Água canta poemas de Cecília Meirelles aqui.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

domingo, 2 de maio de 2021

sábado, 1 de maio de 2021

Porque




Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen